segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Serzinho de metal...


A multidão move-se, segue, consigo ver os seus lábios mexerem, ouço o som que sai das suas gargantas mas não escuto aquilo que dizem... Levanto o olhar de momento a momento observando aquela pequena criatura que se passeia pela sala tentando exprimir-se de modo a que as pessoas que a ouvem a escutem, a percebam.

Reparo agora na peça à minha frente... não passa de uma caixa de metal, com fios, chips e parafusos, mas a sua fisionomia define-se aos meus olhos como um ser aterrorizado... E é para mim, é para mim que este ser de lata, fria, escura, é para mim que olha... Não passa de lata, de um pedaço de metal, inerte... Mas olha-me, e o seu olhar não desgruda de mim...

Dou por mim a perguntar-me o que vê aquele ser... O que verá em mim? O que o assusta tanto? Será que o seu olhar penetra a minha mente? Será que vê o que está lá dentro? Talvez tenha percorrido os cantos escuros da minha mente, viu os meus segredos, os meus pecados... Ou talvez se tenha perdido na escuridão... na inércia que a domina... Talvez se sinta frio e perdido, talvez ele sinta o que sinto... Sentirá ele, tanto quanto eu, que está no sítio errado? Que não pertence a este lugar?

Ou estará apenas surpreendido?

Volto a passar o olhar desprendido pelas criaturas que me rodeiam... E por momentos pergunto a mim mesma o que irá nas suas mentes. Todos carregam sorrisos, maiores ou menos, todos parecem mais ou menos possuidores de felicidade. Todos parecem agir como se, nem que minimamente, consigam alcançar os seus objectivos... Parecem realizados...

Agora ocorre-me também, então e o pequeno ser de lata? Terá ele a oportunidade de se propor a algum objectivo? E por momentos esboço um pequeno sorriso culpado, brotado de um sentimento egoístico e ligeiramente maldoso... Afinal aquele pequeno ainda se encontra pior que eu... Por momentos sinto um ligeiro alívio....

Mas, mas,... depressa o alívio esmorece... Afinal ele não está realmente ali... Ele não me olha, não passa de um pedaço de lata... O ser assustado que me olha fixamente não passa de uma criação da minha mente, não passa de uma associação de ideias que me levou a uma transferência de um reflexo de mim mesma...

E assim o alívio cai... e com ele, de novo, o sorriso desvanece...