quinta-feira, 22 de novembro de 2012

É segredo...

A noite ainda agora começou... A escuridão ainda não caiu totalmente mas não importa... Ainda faiscam lá no fundo os finos raios de sol do fim do crepúsculo. A cidade já tem zonas sombrias, as sombras envolvem os becos vazios que ganham agora um tom ameaçador para os comuns mortais... Já nem os pássaros cantam nas ruas, nem a azáfama do trânsito infernal comum da cidade se faz sentir agora... Ouve-se um raro zunzum de carros que passam de quando a quando...
Mas ainda agora a noite começou, no fundo do copo vejo as pequenas bolhas formando-se lentamente e fazendo uma breve e veloz competição entre si, apenas para acabar rebentando à superfície contra as paredes daquele grosso copo em minha mão... Estupidamente me pergunto se sabem que a corrida que fazem nenhuma a ganhará, nenhuma ficará para a celebrar, todas correm para o fim... Bem, têm um fim, todas as corridas o têm não é? Esta, quanto mais corredores houverem mais rápido o meu vinho se torna intragável... Que agradável propósito.
A dormência está a assaltar-me, sinto a face quente, será o vinho ou apenas eu? Na calma do momento os arranjos começam... Pega isto e aquilo, vamos, vamos ver a lua, vamos passear, bebe mais um pouco pega no casaco e vamos abraçar a noite... Sem rumo...
O rumo de certo se tomou, a noite escapou-me e nisso, logo me vi cercada pela fluorescência das luzes do café habitual... Com as vozes das pessoas habituais, e talvez mais...
A dormência virou agora um frenesim interior, uma excitação medrosa dada pelas situações, as pessoas que nos rodeiam... A noite onde foi? Fugiu com a calma com a segurança que a escuridão me transmitia...
Vamos, vamos embora, vou refugiar-me no pequeno sofá mole na escuridão da sala, ela compreende-me, ou pelo menos ouve-me pacientemente.
Não, secalhar não vamos, vamos voltar... Bem, não voltar, mas não vamos para refúgio algum. Nem mesmo a escuridão, a doce escuridão foi suficiente para deter-me em casa, saberia eu de algum inconsciente modo ao que iria? Talvez, talvez não...
O ambiente aqui é agradável, escuro, com apenas luz suficiente para que as pessoas não esbarrarem nas outras, não acidentalmente pelo menos. A este grau de luminosidade tudo tem mais encanto, tudo ganha um certo brilho, um certo mistério que nos faz querer descobrir...
No fundo, a zona mais iluminada, deixa ver quatro personagens freneticamente tocando, cada um um instrumento diferente, fazendo-se ouvir com os grunhidos que o mais alto profere ao microfone... Grunhidos quais me fazem, de quando a quando soltar um sorriso de prazer, tal melodia conjugam com o som musical que os acompanham... Por vezes um sorriso de reconhecimento, por vezes de encorajamento... Assim, do pequeno, mesmo pequeno, concerto de fundo tiro prazer duma noite outrora fóbica...
Consigo ver-te, consigo ler-te... Sei o que dizes, sei o que queres dizer, percebi o teu gesto, percebi o teu olhar... Eu sei... Pára, repito esta palavra interiormente, não valem as fugas as auto repreensões mentais... Algo que não percebo pulsa agora no meu sangue, algo que não controlo... Oh, não.
Só estive fora por dois segundos, já vejo neste pequeno ecrã a tua marca... A tua evocação àquilo que me corre no sangue, àquilo não entendo e temo entender...
Chega, vamos! Aff, safei-me! De volta no escuro, no pequeno sofá, desta vez de vez... Ah, como é doce a solidão... Mas ainda no sangue sinto réstias daquele borbulhar ávido e caloroso... Ah, e tu, tu... não conseguiste deixar... e se ilumina de novo o pequeno ecrã... Assim, a minha presença é solicitada de novo.
Agora é diferente, agora sou só eu, agora nem a escuridão me acalma o frenesim interior que voltou a todo o gás. Sinto que vou entrar em combustão.
De alguma forma tudo sumiu de repente, estou segura de novo assim que a porta bate e mais ninguém nos rodeia. Percebo agora o que era aquilo no meu sangue. Não quero acreditar. Já sabíamos que era errado.
Bem, erro ou cedência ao puro instinto animal? Afinal quer o queiramos ou não, o seremos. Erro? Definido por quem? Ok, é um erro. É uma quebra de qualquer valor moral de sociedade a que me propus. É uma pura cedência ao prazer carnal e animal sem consciência do que acarta com ela. Ou com consciência, mas total desprezo por ela...
Porquê? Sei lá... O álcool? Por favor, quantos já usaram esta? Definitivamente não foi o álcool. O desejo? definitivamente! Oh vá lá eu sei, onde está o controlo certo? Pois, aquele borbulhar nas minhas veias devorou-o...
No momento, no meio de todo aquele insaciável desejo nada parece errado, nada está errado... O que há de tão pecaminoso em tão exuberante acto? O que há de tão errado em ceder ao corpo o maior prazer a que o podemos sujeitar? Valores morais...? Vá quebrámos alguns... Mas é segredo...

Sem comentários:

Enviar um comentário